Território Modular

Coletivo MUDA

De 23 Ago a 04 Out 2013

Sobre o coletivo

Formado em 2010 pelos arquitetos Diego Uribbe, Duke Capellão e Rodrigo Kalache, e pelos designers Bruna Vieira e João Tolentino, o Coletivo MUDA vê a cidade como um laboratório de transformações. Seus painéis de azulejos com estampas gráficas contemporâneas (sempre site-specifi c) ocupam espaços públicos do Rio de Janeiro e de São Paulo a Havana e Nova York. A obra do coletivo pode ser vista como um tributo aos famosos muralistas brasileiros Athos Bulcão e Paulo Werneck, ou ainda como referência a nomes consagrados da arte brasileira, como Alfredo Volpi e Geraldo de Barros. Para o crítico Felipe Scovino, “as composições do MUDA não estão ligadas a um embelezamento da cidade, mas em pensá-la criticamente. São trabalhos site-specific, pensados para ocupar e refletir sobre as especificidades daquele lugar ao mesmo tempo em que fundam um novo território”. Em 2013, as obras migram do espaço público para o privado e, pela primeira vez, ocupam uma galeria de arte - com a mostra “Território Modular”, na Lurixs. Para a exposição, o MUDA cria obras com volume, peças que se relacionam com a arte cinética e que pedem o deslocamento do espectador pelo espaço da galeria. Na exposição, ainda segundo Felipe Scovino, “o MUDA transfere para o cubo branco o que estava faltando naquele lugar e pelo qual eles têm o maior apreço, isto é, a rua, a natureza e a cidade. Suas caixas, objetos e esculturas tornam o espectador da galeria em um pedestre, um andarilho”.

 

Território Modular | Felipe Scovino

Para essa primeira exposição do MUDA em uma galeria comercial, uma questão importante surgiu para o coletivo: como deslocar para o cubo branco as estórias, significações e propostas específicas que desenvolvem na rua? Como construir uma coerência e uma estória própria dentro de um lugar que possui suas próprias especificidades (asséptico, mercantil e, nesse caso, distante) como a galeria, ou resumidamente, deslocar a obra do espaço público para o privado?

A estória do MUDA começa na rua. Suas composições não estão ligadas a um embelezamento da cidade mas em pensá-la criticamente. São trabalhos site-specific, pensados para ocupar e refletir sobre as especificidades daquele lugar ao mesmo tempo em que fundam um novo território. Suas motivações e história criam conexões com um desejo, digamos, bauhasiano de artistas concretos, e em especial os murais de Antonio Maluf para a Vila Normanda (1964), para o escritório Alberto Brandão Muylaert (1962), para o Edifício Cambuí (1963), entre outros. Todos estes exemplos foram produzidos em São Paulo, e elaboraram uma estratégia que segue a mesma lógica que foi adotada tanto pela Bauhaus quanto pelos construtivistas russos. Sua produção como designer gráfico (e fazendo uma ligação com o MUDA, a formação em arquitetura e design de seus membros) contribuiu efetivamente para o desenvolvimento de uma linguagem construtiva, colaborando mesmo que infimamente para a transformação da identidade visual da cidade, ao integrar arquitetura, design e relacioná-las ao cotidiano da sociedade. Os murais, painéis e mosaicos feitos com azulejos e a cidade encontram uma simbiose perfeita na esfera da modernidade no país, com Athos Bulcão e Paulo Werneck. Duas referências para o MUDA, ambos contribuíram significativamente para a composição de uma nova identidade para o Brasil. Fragmentados, modulares, com influência direta do abstracionismo geométrico, avessos a qualquer representação de uma realidade figurativa (que predominava nas artes plásticas brasileiras naquele momento), as obras desses dois artistas impulsionaram uma das contribuições mais singulares sobre como o sujeito passa a olhar e entender o seu entorno. A forma e a estratégia como a cidade foi estruturada, vista, interpretada e redimensionada por Bulcão, Werneck e Maluf é, guardadas as suas devidas especificidades, a mesma que o MUDA ressignifica. Um olhar atento, crítico e afetuoso sobre as mazelas e especificidades do seu entorno. Seus ritmos, cores e formas criam uma livre associação com o lugar em que os painéis ou composições são instalados.

É perspicaz essa possibilidade de diálogo com as artes visuais, e mais especificamente com artistas que tiveram ou tem a rua como tema e objeto. A vibração ótica dos ônibus de Raimundo Colares cria ambiguamente um ritmo acelerado para aquela pintura que a aproxima dos módulos virtuais de apreensão da imagem provocados pela obra do MUDA. É essa perspectiva pop-cinética que os conecta também. A forma como Raul Mourão e Marcos Chaves, cada um a seu modo mas adotando em comum a personificação de um flâneur, olham a cidade e a problematizam (seja nas grades de Mourão que de mobiliário urbano derivado do medo da sociedade desloca-se para o campo escultórico, seja na série Buracos de Chaves na qual as fotos ilustram e documentam a forma sarcástica com a qual os buracos na rua são tapados com toda a sorte de elementos) se aproxima da forma como o MUDA observa, critica e transforma a cidade. Não é um olhar passivo, mas de um agente transformador do meio, uma leitura poética do espaço público. Não há enfeite ou uma atitude espetaculosa sobre ou para a cidade, mas ações que nos mostram como a cidade está viva, em eterna mudança, sempre a renovar o seu estado e o olhar do sujeito para ela. É perspicaz o uso do spray na aplicação da tinta no azulejo. Um elemento fortemente associado ao graffiti e a uma ação estética conectada à cidade, ganha uma nova expressividade no uso por esse coletivo: torna-se um pincel que delicadamente compõe formas gráficas que de forma modular recobrem a ?pele? da cidade.

É curioso que as perguntas no início desse texto tenham se originado na discussão entre espaço público e privado, e a exposição esteja acontecendo em uma simpática casa de Botafogo (claro, não esquecemos que acima de tudo é uma galeria). Mas o ponto de inflexão que quero trazer é o seguinte: numa sala cujas janelas estão ocultas, o MUDA transfere para o cubo branco o que estava faltando naquele lugar e pelo qual eles têm o maior apreço, isto é, a rua, a natureza e a cidade. Suas caixas, objetos e esculturas tornam o espectador da galeria em um pedestre, um andarilho. É preciso movimentar-se, andar diante dessas obras para percebermos os variados jogos visuais e dinâmicas próprias fornecidos por elas. Estão próximos dos cinéticos também, pois transformam o meio e a relação que temos com a obra de arte (e a cidade, no caso específico das obras do coletivo carioca) em um organismo. Nessa exposição, tudo está em movimento assim como a própria cidade. 

 

Felipe Scovino é professor da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro e também atua como crítico de arte e curador.

Catálogo da exposição (PDF - 1.2 Mb)